segunda-feira, 6 de abril de 2015

Narciso e Narciso (a descrição de um casamento)



Se Narciso se encontra com Narciso

e um deles finge

que ao outro admira

(para sentir-se admirado),

o outro

pela mesma razão finge também

e ambos acreditam na mentira


Para Narcisoo olhar do outro,

a voz

do outro,

o corpo

é sempre o espelho

em que ele a própria imagem mira.


E se o outro é

como ele

outro Narciso,

é espelho contra espelho:

o olhar que mira

reflete o que o admira

num jogo multiplicado em que a mentira

de Narciso a Narciso

inventa o paraíso.


E se amam mentindo

no fingimento que é necessidade

e assim

mais verdadeiro que a verdade.


Mas exige,

o amor fingido,

ser sinceroo amor que como ele

é fingimento.

E fingem mais

os dois

com o mesmo esmero

com mais e mais cuidado-

e a mentira se torna desespero.


Assim amam-se agora

se odiando.


O espelho

embaciado,

já Narciso em Narciso não se mira:

se torturam

se ferem

não se largam

que o inferno de Narciso

é ver que o admiravam de mentira.




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