segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Guga querendo explicação sobre "lógica"


Gustavo me faz cada pergunta filosófica. Estávamos como de costume deitados para nosso soninho, quando comecei a conversar com ele a respeito das bobagens que ele anda cometendo. Brigando muito com o irmão, sempre por coisas tolas e que não tem lógica essa birra. Ele simplesmente me desarmou quando me perguntou: “O que é lógica?”
Dizem que a lógica é a razão, o correto. É a matemática da filosofia, são as regras da verdade, o “chato” do Aristóteles foi quem introduziu esse conceito. Descarte outro muito do chato utilizou também. Geralmente tento fazer uso dessa conceito tão verdadeiro. Simplesmente não funciona. Obtenho algum sucesso quando se trata de materialidades, porque estas mantêm uma boa relação com a “lógica+materialidade=praticidade”. Agora tentar praticar esse raciocínio nas relações sociais, é fatalmente um erro. Quem dita às regras, quem escolheu as verdades, onde está a razão, quando a questão é o sentimento?
Como explicar ao meu filho a esquizofrenia do mundo contemporâneo, de que devemos cuidar das coisas vivas, quando o tempo todo somos estimulados para o consumo (devorar) de tudo que é vida?
Como explicar que por conta da cor da epiderme, ou textura do cabelo. Pessoas têm menos chance de viver dignamente do que outras?
Como explicar que no nosso país, nossos ancestrais sofreram 300 anos de escravidão.E que mesmo assim alguns insistem que negros não merecem reparação.
Como explicar que mesmo ouvindo o tempo todo nas ruas as famigeradas musicas sexistas, ele não deve cantar. Pois estas só falam maldades?
Como explicar que o coleguinha bateu nele, porque está emocionalmente comprometido, pela situação de violência conjugal em que vive os pais deste amiguinho. Desde quando ele sabe que eu e o pai dele nos separamos, para que ele tivesse a chance de ser feliz, não sendo testemunha da nossa infelicidade?
Como explicar que ele deve ao atravessar a rua, prestar muita atenção antes de sair do passeio. Desde quando no passeio estão estacionados carro, motocicletas, ocupado com cadeiras de bar, ou pior, como ele pode entender que pessoas são atropeladas em cima do passeio?
Como explicar que pelo simples fato dele ser menino, a sociedade vai exigir que ele seja forte. Brincar de luta, praticar artes marciais e desde cedo entender que deve namorar, transar com as meninas como se elas fossem comida. Mas que ele vive com uma mãe forte, que vive na correria e que é feminista?
Como explicar ao meu filho que os livros não são sinceros. Que papai do céu não é aquele velhinho, branquinho de cabelo lisinho do desenho. Que ele pode ser neguinha e criança também. Que nem toda família tem papai, mamãe. E que nem todos podem ter café da manhã, almoço e jantar. Porque existe pobreza?
Como ensinar a meu filho a banalizar a violência, para que ele não seja vitima desta?
Como meu filho pode entender que o amor deve ser racionalizado. E amor racional equivale a sempre esconder o que se sente, porque se deve ser tudo menos fraco. Que ser fraco significa se permitir, mostrar-se?
Como meu filho vai compreender que uma mulher para ele amar. Deve se adequar a algumas regras normatizadas pelo sistema e reproduzidas pelas instituições. Magra, branca, nova, meiga, acadêmica, dependente, bem vestida, capaz de gerir a vida domestica, ”uma lady na mesa, uma louca na cama”. E que qualquer outra que fuja desses quesitos deve ser aniquilada, antes que se instale e tome o poder?
Como explicar que poucas pessoas têm muito dinheiro e muitas tem quase nada. E que quem elege os políticos são essas muitas pessoas que não tem nada. Mas que quem manda são as poucas que tem muito?
Como explicar ao meu caçulinha que estudo para ter uma vida melhor,enquanto o pai dele que não estudou e não estuda,tem uma vida bem mais estruturada que a minha,trabalhando muito menos?
Como transmitir para ele que a viver vale a pena, que as pessoas são para ser amadas. Mas que ele deve ter cuidado com o rapaz que oferece bombom. Que quando ele ficar mais velho, deve não deve deixar de bobeira o copo no bar, prestar muita atenção ao carro parado no sinal, ter medo da policia, que certos horários a rua pode ser mortal, está vigilante com a pessoa ao lado. E com todas essas advertências não deixá-lo paranóico?
Como posso fazer meu filho compreender que no melhor da festa da vida, a gente pode ir embora pra nunca mais voltar. E que muitas vezes, alguém que não festeja a vida, mesmo quando a musica é boa, a cachaça é de graça e o time pela qual ela torce acabou de vencer, pode  acabar com a vida de muitas outras vidas,inclusive a nossa?
 É não posso educar meu filho nesta lógica ocidental, mas também não posso me afastar dela. Eita coisa difícil de se resolver!



3 comentários:

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

crinças com lógica própria e alegria singular

Jurandy Boa Morte disse...

"Como explicar que o coleguinha bateu nele, porque está emocionalmente comprometido, pela situação de violência conjugal em que vive os pais deste amiguinho..."

Gargalhei... kkk Só vc!!!

Jurandy Boa Morte disse...

Ah!, A-M-E-I o texto, como de costume.