segunda-feira, 27 de setembro de 2010

4º ponto de Rosário:Das dores de mãe


Quando pariu seu segundo filho no mês de Setembro, dona Ana Lúcia  decidiu ser devota de Cosme e Damião, foram anos oferecendo caruru para os sete meninos no dia do aniversário de Wellington. Não teve tempo para cuidar dos seus três filhos, a necessidade a leva todos os dias  para  cuidar  dos filhos dos outros, trabalhava como empregada domestica nas casas dos bairros nobres. Seus filhos ficavam com sua mãe.
Mãe solteira, nunca abortou, para ela esse era um crime hediondo. Os meninos cresceram num terreno que foi invadido, com muita luta e sacrifício dona Ana construiu sua casa, com sanitário, luz, nunca recebeu ajuda do governo, de ninguém, era somente ela e a mãe dela.
Quando os meninos foram crescendo os problemas foram aumentando, esse problema tinha nome, Wellington e amigos.
Era o ultimo a tomar banho, a voltar para casa, o único que “pongava” no trem e   que recebia queixa dos professores e vizinhos. Porem era o mais amável, engraçado. dona Laura, a avó, era apaixonada por esse menino, fazia todas as vontades, inclusive a omissão das pequenas travessuras, para que D.Ana  não precisasse exemplar com o cipó caboco.
Dona Laura portadora da  doença de chagas  logo se foi, ficou Ana  e seus três meninos órfãos. Com a morte de da avó, Wellington começou a passar mais tempo na rua do que em casa, afinal era o irmão mais velho que ficava com a responsabilidade de manter a ordem das coisas, começaram a aparecer objetos diferentes em casa: roupas, sapatos, celular.
Wellington que já era conhecido como “Mãozinha” pela galera do movimento, começou a barbarizar com o comercio local, conseguia destelhar qualquer imóvel, passava por cercas elétricas.
Ganhou fama, com apenas 14 anos era um dos ladrões mais audaciosos  da pequena cidade do recôncavo. Dona Ana não aceitava o fato, a vergonha de ser mãe de um ladrão, afinal nada faltava, tinha comida em casa, mas jamais passava sua indignação para os vizinhos ou vitimas, defendia Wellington, a ponto dos irmãos se revoltarem e saírem de casa. Mãozinha a cada dia que passava se tornava perito na arte de gatunar, roubava celulares dos adolescentes das escolas particulares, roubava velhinhas na porta dos bancos. Isso chamou a atenção da polícia, vez ou outra dava uns “couro”, tomavam os furtos, ou até mesmo encomendava alguns produtos eletrônicos na mão de mãozinha. Entretanto mãozinha começou a ficar audacioso demais, com ideias políticas demais, se drogando demais, começou a roubar os ricos, os grandes comerciantes. Dona Ana achava que pelo fato de todos os anos dar caruru para São Cosme e Damião, eles estavam atrapalhando a vida de Wellington, uma amiga evangélica tinha profetizado que o menino agia de forma  errada, porque era oferecido ao demônio.
Foi decido não mais fazer caruru, jogou fora a imagem de Cosme e Damião e começou a frequentar os cultos nas quartas feiras. No dia 27 de Setembro, Wellington fez 18 anos, foi pego pela polícia em Salvador,  roubou uma câmera digital de um turista alemão. Dona Ana pegou todo dinheiro que tinha juntado para colocar o piso da casa e pagou o advogado, conseguiu livrar Wellington da detenção.
No dia 12 de Outubro, Mãozinha foi preso em flagrante quando tentava roubar do patrão de dona Ana, que foi demitida, acusada de cumplicidade, a policia constatou que ela era inocente, e um vereador que era muito amigo conseguiu tirar Wellington mais uma vez da prisão.
No dia 24 de Dezembro, Mãozinha rouba uma enorme quantia em dinheiro de uma grande loja do comercio local, conseguiu fugir, sumiu, foi curtir o grande assalto da sua vida. A policia quis saber do paradeiro de Mãozinha, e começou a monitorar dona Ana,  irmãos, amigos, namoradas.
Só que no dia 25 de Março Mãozinha,sentindo falta de dinheiro, corrido de uma boca lá de Salvador, volta para a casa da mãe,  não sabia que no seu caminho ia aparecer Rosário.
Mãozinha tinha fugido da polícia para não dar parte do dinheiro que roubou na loja, então os entregaram o caso ao colega  Rosário, que daria conta de disciplinar o garoto, recém chegado a maior idade.
Rosário montou guarda, dias e noites, no encalço do gatuno. Quando um comerciante do bairro da invasão informou a policia que o marginal estava intocado na casa da mãe, Rosário foi buscar o bandido.
Estava a porta dona Ana, estendendo as roupas, não teve como avisar ao filho da chegada da policia. Rosário conversou com dona Ana, com a maior delicadeza, ela poderia entregar seu filho  nada de ruim iria acontecer,  teriam a possibilidade de contratar  um advogado como todas as vezes. Deus estava olhando pela situação, iria salvar a alma do menino.
Rosário foi muito convincente sobre o aspecto da salvação da alma, que mesmo dona Ana  sabendo da fama de matador do policial, acreditou que ele profetizava pela salvação do seu filho, afinal ele era evangélico,  pediu que ele fizesse tudo menos matar o filho dela.
Convenceu Wellington, afinal ela iria tirar ele da cadeia, ele era inocente, era incapaz de roubar uma agulha.
Rosário algemou Mãozinha,mandou ele ajoelhar para ser salvo dos pecados, dona Ana aos prantos orava pela salvação do filho ia ser uma nova vida, ele estaria sendo renovado em nome de Jesus. Um policial evangélico teria o poder de guiar seu filho para o caminho da retidão, quando Rosário falou:

- Agora é hora da Senhora chorar o que outras mães choraram por causa do seu filho!

Rosário disparou na cabeça de Wellington um tiro silencioso e fatal. D. Ana calou a oração da salvação, lembrou das festas de Cosme e Damião, dos doces, da criança, lembrou do cheiro do bolo da sua mãe, calou o pranto.
Tomou nos braços o corpo do seu menino, magro, envelhecido, mas seu menino, calou-se.
 Depois de  seis horas de espera, levou o corpo do seu menino o pro IML, o raio X estava quebrado, teve que o ouvir o estalar do martelo procurando a bala na cabeça do seu menino. Foi enterrar seu filho as 18 horas, não queria que abrissem o caixão, o povo queria ver o menino que enfrentou a polícia com uma metralhadora.
Dona Ana continua trabalhando, não tem fé, não pronuncia o nome de Rosário, não olha quando a polícia passa, ajuda a criar os dois netos, heranças  de Wellington. Voltou a oferecer o caruru de São Cosme e Damião, não  acredita em Deus, nos santos e nem nos indivíduos, oferece em  lembrança ao que poderia ter acontecido um dia.

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