terça-feira, 16 de junho de 2009

Não se vende o chão por onde se passa


Da conhecida Estrada dos carros trago a lembrança de um senhor sisudo, que durante muitos anos vi passar voltando do seu consultório dentário, entre 16 ou 17 horas indo para sua residência que é bem próxima a da minha avó Amália. Achava muito interessante o jeito que ele se vestia, geralmente variava entre o verde exercito, os tons terrosos e camisas azuis, nunca vi naquele senhor um dentista, ele sempre me pareceu um dos jornalistas cariocas que apareciam vez ou outra no programa ”Documento Especial”.
Quando passava defronte da casa da minha avó era andando com passos lentos e atentos, ou dirigindo uma velha Brasília azul marinho, na cabeça ainda possuía muitos fios negros, que na minha visão de pré -adolescente, via até uma cabeça bem maior do que é hoje, o mais engraçado para mim era o bigode.
Não conseguia entender como ele poderia ser tão diferente do povo da sua casa, a esposa, a irmã adotiva, os filhos e netos, risonhos, passavam sempre cumprimentavam a todos, ele não!
Só lembro da voz deste Sr. quando deu um sermão no meu primo que ia jogar a irmã da varanda do 1º andar, na garagem do térreo. Folheei muito “Isto é Santo Amaro” da profª Zilda Paim quando criança, as letras não me interessavam, gostava mesmo dos desenhos dela . Quando bem mais tarde, me apaixonei pelas coisas da minha cidade, foi o Dr. Profº que me ensinou o caminho, quando conheci a sua palavra, me senti tão próxima do meu povo, parecia que estava na varanda da casa dele, vendo o Teodoro Sampaio na idade de ouro, ouvindo as conversas com Nestor Oliveira, tomei gosto pelas historias do povo, os loucos, os bêbados que ele via passar, me senti ali do lado, da poesia que ele emprestava a minha gente, da cana-de-açucar ao cádmio maldito.
Bondinho da Saudade é um dos meus livros prediletos entre autores do mundo todo. Só quando saí da estrada dos carros, anos depois conheci meu poeta pessoalmente, pedi a sua esposa, e uma das pessoas mais iluminada que conheço, para me apresentar meu ídolo(a essa altura, dando aulas no Teodoro Dr. Profº já era em meu ídolo) passei horas conversando, meu Deus...  diante de mim um garoto fulgurante prisioneiro num corpo de um velhinho, parecia sessão espiritualista, onde o espírito é bem mais jovem que o “cavalo”.
Tive a honra de receber um presente revisado com letra do próprio autor,Dr.Profº deu-me a impressão de ser obcecado pelo zelo da língua mãe, chega a ter o comportamento parecido com o dos franceses com o idioma deles. Numa dessas sextas-feiras no grande elefante branco que é a Casa do Samba, Dr.Profº fez com que ficasse acordada, insone e emocionada com as palavras poeticamente colocadas, para explicar para mim (porque a platéia era composta de crianças, tipo “EU” quando folheava Isto é Santo Amaro). Vou me dar o luxo de dizer que foi para “Mim” a explicação como se deu a independência da Bahia sobre a visão dos sertanejosEncourados”, Dr.Profº naquele dia, pouco falou de independência, homem do sertão, ele muito emocionado me falou das pessoas que não se vendem, que foram respeitadas até pelos inimigos, porque sabiam amar, não a terra e verdes pastos, mas sabiam amar o povo, mesmo com violência, com sangue, pressuponho que chorou falando de Frei Caneca e da luta dos índios norte americanos da Terra Silker, porque entende que está vendo o tempo passar, prisioneiro da fragilidade do corpo, das doenças que os hábitos e as delicias de quem bem viveu, deve pagar como castigo de ser mortal.
 No final fui parabeniza-lo(discretamente, não sou uma tiete efusiva) e li no olhar do meu Poeta que o choro não foi de lamento pela mortalidade, foi um choro de desesperança, por não haver respeito pelas diferenças, pela duvida do que hoje possa ser gente de valor, pelo mau trato á terra que é tão generosa, pelo altruísmo que anda escondido, com vergonha de estender a mão, pelo medo que se instalou do homem pelo homem, o olhar do Dr.Profº revelava que “Eu” possa jamais viver o que ele teve a imensa felicidade de viver, um tempo de fé, respeito e amor à pátria!
Mas fique tranqüilo Dr.Profº, quem sabe se o seu antigo amigo que tocava os sinos da matriz veja lá de cima das torres, minha terra num bom tempo de justiça, sem maldade.

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