sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Nascida para matar!


Era diferente de tudo que já conheci,quando fomos colegas da quinta ao curso normal,vivia sorrindo,dentes impecáveis,os cabelos matavam a todas adolescentes,que nunca aceitavam o fato, das raízes afro viverem tocando tambor e sendo retocadas no salão de Marta de três em três meses(o salão de Marta,nos humilhava,único na cidade, ponto de fofoqueiras,linguarudas que denunciavam o alisamento)Era a musa das punhetas dos meninos do ginásio,filha da classe média alta,detestávamos sair com ela pelas ruas,todos paravam para olhar,era um “espetáculo da natureza”.
Passava a maior parte do tempo na sala de aula calada,falava baixo,vinha de uma família mineira,o pai era engenheiro químico,a mãe uma dona de casa com mania de limpeza,o irmão uma criança silenciosa,tinha uma coleção de papeis de carta invejável,foi a primeira a ganhar um bloquinho vindo direto do Paraguai. Sempre fizemos trabalho de equipe juntas,morávamos na mesma rua,nesses dias de trabalho escolares ,ela não podia ir a minha casa,os pais não permitiam que ela frequentasse casa de ninguém,mas sempre nos recebiam com muita educação e comida boa,farta,não entendia como ela podia ser tão perversa,a vida dela era perfeita,quarto cor de rosa,Barbies de todos os tipos,todas com as cabeças furadas,cortadas,era uma menina maligna,vivia torturando os animais,enveneva gatos,cachorros,galinhas,colocava água quente nas plantas da casa,levava pânico ao irmão,batia na empregada,respondia a mãe com palavrões,que se eu ousasse a falar com minha avó,era cara quebrada na certa,ela mandava na casa.
A criatura era tão perversa que até a Lucinha,uma criança com deficiência mental, que ficava na janela de casa,a cruela batia,cuspia os mendigos, vivia dizendo que detestava tudo que se movia.O seu olhar era o prefácio da morte.
Todos aceitavam Marginalia ,porque ela sabia desde cedo comprar as pessoas,a filha da empregada ganhava vários presentinhos,para se submeter a cargas de energia,ensopava a bichinha de água,puxava um fio terra e dava choque na cobaia,a mãe achava muito engraçado uma menina de 11 anos ter noção de eletricidade,e ria das peraltice da filhinha,confesso que sempre achava engraçado esse comportamento.
Lembro que quando no 1º ano normal,fizemos o clubinho do vício,ela emprestava a casa,o quarto,a comida pra matar a larica,mas não bebia,não fumava,a diversão dela era:Colocar Varsol e detergente,nas bebidas de quem ficava de bobeira,jogar éter da lóló no olho das colegas,vivia esperando a hora do vomito, pra dar caldo no vaso sanitário,catarar no suco dos outros,mas nunca se drogou.
Carlos Augusto era a sensação da praça,lindo de morrer,filhos de um prospero comerciante,que mesmo menor de idade vivia dirigindo o carro,dando cavalo de pau na frente da Matriz ,fazendo pega na estrada da água,bebendo no Bar Vermelho,certa vez me pediu pra armar com ela,quase morri de raiva,mas não deixei de ser a Peixoto,ela não quis,o cara ficou louco! Apaixonou-se pela criatura ,mandava cartinhas(cheia de erros ortográficos,ridículas,que ela propagava pela escola),presenteava com flores,bombons,discos de novela,ela não namorava,tinha horror, ele insistiu tanto que ela resolveu marcar um encontro,mas fez uma exigência:-Que ele deixasse ela dirigir o carro do pai dele!Carro polido com esmero,lá no centro de abastecimento,antes mesmo de beijar ,o otário deu o carro,a louca saiu virada na porra, naquela estrada da associação e picou o carro no mangue,o idiota chorou parecendo um bebezinho e ela com a cabeça quebrada,dava altas gargalhadas,até hoje tenho a impressão de que ela teve um orgasmo.
A fama de miseravona correu a cidade,todos começaram a falar que ela era mais uma sapatona,pronto,virou musa das sapatas,começou a ser paquerada pelo povo de "Katty",adorava iludir a todas,exigia presentes caros,e jogava no rio Sofreguidão,procurava frete só pra desmascarar as enrustidas,tínhamos uma professora que caiu no golpe,esse tipo de gente como Marginalia tem um olhar clínico e sedutor,ela assediava a professora,fazia cartinhas, aparentemente inocentes,”Se dizia que era crente,mas não sabia rezar”.Professora Maria,gorda,fedorenta,caiu de amores pela aluna;morena linda e com todo frescor da juventude,nós odiávamos a professora e a disciplina metodologia da pratica de ensino,mas sentimos repulsa pelo acontecido,a apaixonada começou a fazer poema para Marginalia,cartas assinadas, prometendo amor eterno,planejava largar o marido velho,os filhos,para viver ao lado da aluna,logo as cartas chegaram ao conhecimento da direção,dos pais da adolescente,do marido da professora,da delegacia,a redoma da sacro santa Amparo,tinha sido quebrada e a professora “sapatona,velha e desgraçada”deveria ser punida,perdeu o emprego,os filhos e o marido velho colocou dentro de casa a amante de anos, tudo promovido a toque de requintes de maldade da coitadinha da adolescente assediada,isso me deu uma grande noção de que não se deve escrever cartas apaixonadas.A pobre da pró gorda se fudeu sem ter recebido um beijo ,apenas promessas!
A festa de quinze anos ficou marcada na cidade,os parentes das Minas Gerais vieram,alugaram o clube mais tradicional que havia,vestido assinado por Ney Galvão,prefeito,chefe do pai,médicos,a elite da tradicional cidade do Amparo,e nós colegas de rua e de escola,entretanto quase se dava uma tragédia,a filhote do demo,com seus conhecimentos em eletricidade,iniciou um incêndio no clube só pra poder rir,do pânico,lembro de minha tia Zilda que com seus quase 80 anos,carregando um pratinho de docinhos,quebrou a perna, tadinha.
Depois deste episódio,levaram a piromaníaca para a capital,com muito segredo, ela começou a frequentar um psicólogo,foi uma desgraceira no caminho da feira.
Num desses finais de semana em Amparo,mostrou-me um livro de São Cipriano,estava estudando magia negra,havia mais ódio,planejava fazer feitiços pra matar o psicólogo que queria tirar a virgindade dela, a colega que não gostava porque era tirada a rica,o professor de matemática,o prefeito de Amparo,o presidente da república,era tanta gente,que fiquei até com medo dela me incluir na lista.
Comecei a namorar,namoro grude;ela não me disse nada, mas se afastou,não vinha mais em Amparo,a mãe ficou com câncer no cérebro,morreu em menos de 1 ano,ela foi terminar o 2º grau em Belo Horizonte,morar com a avó.
Anos depois,casei,comecei a lecionar e já tinha meu primeiro filho,um dia lendo o jornal na faculdade de educação,vi nas páginas policias a foto de Marginalia,em nada parecia com aquela menina “espetáculo da natureza”,estava acabada,envelhecida(confesso que senti um pouco de alegria ao ver que ela tinha perdido parte da beleza)o jornal contava dos crimes que havia cometido na grande São Paulo,estelionato,latrocínio, matava suas vitimas com requintes de crueldade,molestava homens com escovas de cabelo,usava cargas elétricas nas mulheres,nem mesmo das crianças,ela tinha compaixão,a matéria falava que era uma maquina de matar,e que não deveria sair da cadeia,pois nunca iria parar.
Lembrei da nossa infância,não senti ódio dela,muito pelo contrário,fiquei com pena,posso dizer que Marginalia foi uma boa amiga,sempre me preservou das suas maldades,quando perdi minha virgindade,ela foi a única que sabia,não contou a ninguém,do clube do vício,era a única que ela poupava das perversidades,nunca me humilhou pelo fato de ser financeiramente mais favorecida,na realidade,nunca fui sua amiga de verdade,não me lembro de ter permitido ela pedir ajuda, agora é tarde,e que Deus deixe ela lá presa e longe da cidade de Nossa Srª do Amparo!

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