terça-feira, 25 de maio de 2010

Cleonice


Os petinhos já apontavam na camisa marrom que trabalhava rodando no carro de mão,no mercado da cidade,mas ainda não sabia o que era ter infância,a professora reprovou Cleonice no mês de Agosto,a mãe tinha ficado grávida do oitavo filho e ela foi obrigada a ir para Camaçari,ficar na casa do pai,ela andava muito rebelde,reclamando da falta de comida,afinal de contas o pai dela era o único que dava pensão,o dinheiro dela tinha que ser dividido com tantas bocas famintas e sem pai,ela não tinha infância mas tinha um pai,assalariado,podia ver isso todo dia 05 do mês.Havia um olhar infeliz,desconfiado,mas havia força.Ela estava sozinha,dentre tantos homens/meninos,fiquei impressionada,a primeira vez que via uma mulher/menina,neste ramo de carregadores de compras,muito seriamente me ofereceu o seu serviço,fiquei com medo dela não aguentar o peso,me respondeu que os braços dela,já estavam calejados,aquilo era um mosquito perto do que ela era capaz de transportar com seu carrinho de mão.Cleonice apesar da pouca estatura,tinha braços torneados,musculosos,corpo de ginasta olímpica,pele negra,bonita,cabelo crespo ,sem pentear,como sempre sou muito indagadeira,fiz milhões de perguntas filosóficas a Cleonice,como toda pessoa que sofre,deu respostas muito maduras para sua pouca idade,estava muito revoltada com a professora que vivia chamando ela de burra,e que não entendeu que ela precisava ajudar a mãe,ela ouviu sem piedade da tale” pró”:-Sua mãe só presta pra pari!Me falou que queria se vingar,mas que deixou pra lá,a mãe não tinha vergonha mesmo,e que no dia que ela se “retasse”,a mãe iria ver,ela ia de vez morar com o pai,ficou em silêncio,e retornou ,com um posicionamento sofrido:-Meu pai nem me quer,ele me odeia!
Cleonice mostrou-se muito honesta,tinha pedido pra ela levar uma mercadoria num local,ela não acertou ir,voltou uma boa distancia,para me perguntar direito onde ficava,quis pagar um pouco a mais,ela recusou,me falou que o erro era dela.Fui rezando por Cleonice,ainda rezo por ela,pela amargura nos seus vividos 12 anos,pela falta de amor da família,da escola,desse país filho da puta,que ceifa a infância do seu povo,rezo para que ela possa conhecer o amor um dia,para que seu olhar tenha um pouco de ternura,para que olhem não para seu corpo de atleta ,mas para sua vida,que possa,ter seus filhos,num hospital publico descente,ser parceira da escola que eles vão freqüentar,que possa sonhar sempre,e que seja respeitada,é isso que ela merece,RESPEITO!



P.S:já começou a palhaçada das politicagens,já começou o derramamento de verbas,já começaram as campanhas em prol dos direitos humanos,Cleonice continua em dupla jornada na frente dos pegue pagues da vida,invisível para uns,mas doendo em mim


Um comentário:

Anônimo disse...

Oi, Amapagu,

agora que eu aprendi o caminho do seu blog, vou vir sempre.

abraço
Hugo