quarta-feira, 17 de março de 2010

Envelheço com rebeldia e utopia!


Se o fator biológico não é destino,como diz Simone de Beauvoir,se todas as relações sociais são construídas,a idade nada mais é que construto da cultura,não considero a data da saída do ventre da fêmea que me conduziu a esse território como a data mais importante da minha vida,certo que uma serie de fatos acontecidos  definem a minha vinda ,meu pai era a favor do aborto,minha mãe foi educada nos moldes da culpa cristã,nasci pelo temor ao castigo divino,herdei o nome de minha avó paterna,minha mãe foi vitima do sistema machista,quando foi  morar na casa da minha  avó Amália,sofreu com a infidelidade do comportamento vigente para o “masculino”,foi embora negando a maternidade que lhe foi imposta tão precocemente,deixando a minha infância aos cuidados da mãe de meu pai.Cresci com uma avó que me educava para rejeitar o trabalho doméstico,a submissão ao homem,mas  que não cansava de menosprezar suas filhas e enaltecer seus filhos,minha mãe sempre foi julgada como a imbecil,não esperou com resignação  a maturidade de meu pai chegar.Cresci sem vergonha da nudez,fui educada para  as artes e a oratória,estudei em escolas burguesas,participei  de pastorais católicas,cansei de perder o sono encantada com as musicas  de Dorival Caimi tocadas no sax do meu vizinho “Paizinho” conheci o amor sexual ouvindo Legião Urbana ,mas é Caetano Veloso que define melhor o que minha cidade  colocou de acessórios sobre minha “identidade”.Sempre fui  rebelde,sempre usei um tom de voz acima,sempre –mesmo com meu andar de “patinha”-andei de cabeça em pé,nunca fui a mais bela do grupo, sempre fui a boa articuladora,a criativa,e entendi por intermédio da minha avó Amália que não sabia ler,que os livros me colocariam à frente dos homens,era assim mesmo,minha avó,minha tia Naninha,não admitiam que eu fosse subserviente a homem nenhum,como rebelde era nos meus namorados que eu enfrentava o sistema de aversão ao masculino da minha casa,e namorava, EU CASAVA,olhando para trás  não sei o que é namoro longo,meses de convivência  logo se transformava  em casamento,planos,filhos,perda da identidade,da autonomia .Já falei diversas vezes “que a miséria de uma mulher é outra mulher”,quando fui traída,meu conceito de traição ainda estava amparado na esfera sexual,hoje entendo e quero ser entendida também,que “ninguém é de ninguém”,entretanto  respeito quando sei que existe uma mulher que fica em casa,cuidando dos filhos(as),sem tempo para nada,enquanto o safadinho do marido procura aventuras que deixem o pênis ereto,esse tipo de homem não tem a menor chance de ser admirado por mim,os meus casamentos me educaram para ser feminista,para observar a questão do feminino,de como a sociedade hierarquiza as relações de gênero,criando dicotomias que favorecem muito mais ao ser masculino,talvez até por rebeldia, rompi com relações afetivas  que me  classificavam como “coisa” privada em lugar de ser humano.Se hoje faz tempo que estou aqui,reconheço que a rebeldia me acompanhou,me fez muito mal,trouxe  benefícios também,as pessoas quando querem me ofender,mandam  “eu envelhecer”,usar roupas que não transmitam sensualidade,escolher pessoas mais velhas para me relacionar,parar  de me fotografar,porque financeiramente  dependo de meu pai  e do meu ex marido,e no maior de todos imperativos elas sempre me dizem para não sorrir,que sou uma imbecil porque tento forçar uma alegria que não me pertence,se cheguei  aqui,escrevendo meus devaneios,é porque “eu me pertenço”,sei quem sou,sou objeto de estudo todos os dias,exercito o meu auto conhecimento,cultivo meus amigos,educo meus filhos para respeitarem as diferenças,Guga  sabe desde a   sua infância que Deus pode ser menina ,menino ou os dois,ele conhece meus amigos gay’s,como  feminino e minhas amigas sapatas como masculino,na minha casa não existe drogas licitas ou ilícitas,a criança é protegida para viver a sua infância,nunca faço comparações,nem permito  que assistam a violência banalizada,o adolescente tem voz,mesmo dizendo que vou dar bofetadas na cara,conheço os amigos,não escolho para ele qual caminho,ele tem o exemplo de quem sou,e não permito que ele venha ferir meu espírito libertário,com o machismo adquirido nas ruas e internet,ditando regras  do que é certo ou errado para uma mãe ou para certa idade.Desse pertencimento de mim mesma,reconheço que cometo faltas terríveis,ainda existe muito do senso comum,preciso ser silenciosa,parar de ser a espada,nem sempre vale a pena ir pro combate,calar ainda se faz prudente,não se muda um sistema com bandeiras flamejantes,devo aprender que “primeiro o mel,depois a revolução”,mas estou de parabéns,não pelo meu 18 de março de 1974,estou me parabenizando porque não me perdi,não me emburreci,não deixe de me indignar,não me iludi com a materialidade,não fiquei “careta”quando olho o próximo,porque o que mais desejo para quando sair desse “plano “ dessa escultura que me moldaram é que minha “utopia” de que todos podem viver a igualdade,sem precisar se esconder de quem realmente escolheu para viver dentro de si,que todos os  indivíduos nascem para ser feliz ,sem muita elaboração e isso não depende de uma data na certidão,ela pode sim acontecer.

Nenhum comentário: