terça-feira, 30 de junho de 2009

Penteadeira de puta


Ana Bela,ainda pouco era uma menina,desses lugares esquecidos pelos deuses e entidades,onde nada,nada,nem passarinho canta,onde a miséria a é a senhora absoluta,que a todos se impõe e castiga,roubando a infância,levando à beira da estrada,para esmolar,ficarem resistentes como calangos e esperar a morte como premio divino.
Mas ela tinha sonhos,as flores e ser professora, estes desejos serviam de alimento,naquela vida de fome de tudo.Chamava a professora de “tia”,tinha uma devoção sacerdotal ,para ela era o que havia de mais sagrado e mágico.
As letras pintadas de vermelho,desenhadas na cartolina verde ,desbotada,encantava Ana Bela,achava graça nas vogais do livro “Casinha Feliz” e como a pró soletrava as palavras,mas o que despertava mais interesse eram as fotografias dos artistas,nas revistas velhas,mofadas com cheiro ativo do tempo que passou,cortar essas figuras, para ela era a celebração mágica da fé,colava com esmero no seu caderno,cantores,atores que apareciam com frequência na TV,príncipes,salvadores,viriam um dia busca-la,salva-la daquela miséria infeliz,do abuso silencioso do pai bêbado,do ciúme das mulheres,seria como no conto de fadas,que a professora contava às sextas-feiras.
Aprendeu a ler e escrever o suficiente para “Julias e Sabrinas”,entendia tudo sobre flores,principalmente hibiscos e rosas meninas,ensinou a professora,a melhor terra para cultivo,adubo e época de plantio,a tia sempre dizia :-Ana Bela,você vai ser uma boa professora!
No entanto a professora,não alertou que Julias,Sabrinas,sonhos,príncipes da TV,tudo isso tem um preço, este valor foi pago com a mocidade de Ana Bela,que já ganhara as formas das cabrochas e obrigada pela mãe a ir pra beira da estrada,aprender a ser forte,ser um réptil.
Foi com muito sofrimento que disse adeus a escola,a tia.Quando nasce nesses lugares,não se tem tempo para sofrer,não há lágrimas para chorar,nem milagres para acontecer.
A beira da estrada é como o redor do abismo,tem que entender de tudo um pouco,sorrir para carros certos,simular choro para outros,fugir de alguns e aprender,ficar esperto,pra lucrar.Era um exercício artístico,Ana Bela sonhava agora em ser atriz da novela ou dançarina de algum grupo musical.
A paixão pelo magistério,deu lugar a vontade de conhecer o mar,este sim,era imenso,cheio de vida,de água,saberia qual sabor de um peixe,da água de coco,como nos comercias que assistia na televisão do posto de gasolina.A beira da estrada seria a sua passagem para esse mundo divino,que levaria ao encontro do mar.
Uma amiga tinha conseguido ir embora,pediu ponga num caminhão,e nunca mais voltou,enchendo Ana Bela de esperança.Iria sair daquela vida infeliz ,desgraçada,seca,faminta,o milagre era o caminhão.
Nunca falou como começou a sua lida,apagou da sua memória,o que aconteceu naquele dia que pediu carona,como também do dia que seu pai roubou sua infância,prefere dizer que tem muita sorte,que Jesus sofreu mais do que ela,que hoje vive como gosta.Tem vestidos,rouges,batons,perfumes,comprou uma penteadeira espelhada em 6x no crediário,pagou tudinho antes da data,tem o nome limpo.Comeu peixe,não gostou,mas se encantou pelo mar.Foi o mar que deu seu primeiro amor,foi na beira do mar que soube o que era gozar,prazer de navegar,mesmo por pouco tempo.Da vida seca,dos tempos difíceis,da fome,violência. Ana Bela aprendeu e nunca mais esqueceu,que não deve crer no infinito,não existe tempo passado,nem futuro,isso é uma grande mentira,sabe viver com pouco e que o único amor que leva e que cultiva são os hibiscos e as rosas meninas.

Um comentário:

Jurandy Boa Morte disse...

Um vento de saia rodada e um olhar farol de criança... Num embalo desses me enveredei pela história de "Aninha" - UMA LINDA crônica!!!
Cada dia suas sacadas estão melhores e o blog mais atraente... AMEI este conto!!! Lindo, delicado, colorido e sujo na medida certa... Parabéns.