sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Dilma


Medida  provisória 557/2011


"....Medida Provisória assinada pela presidenta Dilma Rousseff e publicada hoje (27) no Diário Oficial da União cria um sistema de monitoramento universal das gestantes para a prevenção da mortalidade materna no país. Garante, ainda, auxílio financeiro para o deslocamento destas mulheres às consultas pré-natal e à unidade de saúde onde será realizado o parto. Os benefícios estão inseridos na estratégia Rede Cegonha, lançada no início do ano pela presidenta com o objetivo de ampliar, qualificar e humanizar a assistência oferecida às gestantes e aos bebês nas unidades do Sistema Único de Saúde...."

Nasci no mês das almas, sob o signo de escorpião. Momentos antes do meu nascimento percebi que minha mãe estava num comportamento muito estranho, comparado aos das outras mães que tive. É, tive outras mães, sou um espirito reencarnado. Voltando ao aspecto da minha mãe, observava que ela era uma mulher extremamente magra para ser uma gestante e a cor dela era diferente das outras mães, ela tinha uma pele acinzentada e descamada. Via em minha mãe algo diferente, diria pesado,ainda tenho a sensibilidade para “sentir”. Essa mulher que tinha escolhido para me trazer ao mundo possuía um olhar terrível, distante e vermelho. Ela não gemia se quer pelas dores da contração, dizia coisas horríveis sobre mim. Fiquei muito triste, porque por mais que soubesse que não haveria “amor”, não estava preparada para ouvir tanta mágoa e rancor sobre mim. Até mesmo eu, uma pessoa com lembrança atual, sente as dores da ausência do bem-querer.
Minha mãe ficou muito tempo sozinha naquela maternidade, uma enfermeira perguntou de forma muito grosseira se minha mãe usava drogas. Confesso que não gostei, minha mãezinha pobrezinha, tão nova e tão feia pela pobreza que a vida obrigou ela a passar, só teve essa alternativa para continuar vivendo. Nunca teve amor de seus pais, ela nem conheceu o pai e a mãe dela foi embora trabalhar nas cozinhas das casas de “família”. Minha mãe tão novinha sempre confundiu sexualidade com afetividade e benefícios materiais. Ela sempre se deu por tão pouco. Sonhou em casar como acontece nas novelas. Sonhou em ter casa própria, cuidar do seu marido. Mas para a esquálida mulher que vejo e escolhi para minha mãe, só os restos foram dados. Uma escola carregada de ódio racista, homens que usaram do seu corpo de menina e abandono do Estado.
Talvez vocês estejam pensando que para um feto, eu esteja politica demais. Essa é uma analise equivocada. Por ser um feto, sou saudável e faço analises criticas e justas. Amo a minha mãezinha, e escolhi por amor. Temos aula de como amar as pessoas, para  sermos qualificadas para a vida é fundamental que a gente aprenda a compreender as pessoas para poder ama-las.
Sobre meu pai, prefiro não falar. Ele não apareceu, ouvi a irmã de minha mãe dizendo que ele se negava a assumir que era meu pai, e que minha mãe era uma “vagabunda” que trepava com todo mundo. Isso me decpcionou, mas  me preparei para amar meu pai. Então sabia que a minha missão mesmo não sendo muito fácil, deveria ser enfrentada com muito perdão aos dois. Já vinha sabendo da doença deles. Sou um espirito forte.
A irmã da minha mãe disse para uma colega que se não bastasse meu irmão sem pai, agora seria eu. Que minha mãe era uma otaria que não procurava a justiça. Depois de um intervalo silencioso, minha tia disse: -Também umas desgraças de uns homens casados que só sabem usar drogas!
Entendo minha tia, a vida dela não é fácil. Sempre foi “Mariazinha” nas casas dos outros e mesmo sendo uma pessoa muito honesta, tornou-se amarga e perdeu a fé. Mesmo frequentado a igreja universal. Agradeço a ela estar podendo nascer. Quando soube que minha mãe ia tomar remédio para me perder, os colegas da igreja falaram que isso não ia ficar bem, que se o pastor soubesse ia ser péssimo para ela.
Enfim nasci, não chovia e fazia muito calor e era de manhã. Estava morrendo de fome, e chorava muito para alertar minha mãe. Ela dormia como se eu não estivesse ali e essa atitude seguiu por 2 meses. A enfermeira me pegou nos braços e acordou minha mãe,dizendo: -Você não está vendo que ela tem fome, tadinha! Se não gosta de cuidar, pra que fez?
E me colocou em cima da mulher que me trouxe ao mundo. Esta mulher, minha mãe, começou a me xingar, rogar praga e chorar. Quando comecei a mamar, sentir um gosto tão ruim no leite de minha mãezinha. Tinha gosto de ódio. Foi o primeiro dia de 60 dias que fiquei com medo de morrer. Minha mãe pobrezinha na sua vida de extrema pobreza e abandono não sabia amar.
Fui para casa. Era um lugar muito escuro, com mau cheiro e com muitas pessoas, tinha muitas mulheres e crianças. Fiquei feliz, elas diziam que eu era muito bonitinha, que parecia um anjo. Mas só foi isso que aconteceu de bom. Os outros 59 dias que seguiram, foram realmente difíceis,tanto para mim, como para minha mãe. Ela passava muita fome. Não podia ganhar dinheiro dos homens como antes, porque a maioria não gosta de mulheres paridas. Minha mãezinha cobra 5,00 reais para os homens maltratarem ela. Mas para ela que está envelhecendo a coisa cada vez está mais dificil. Ela tadinha é maltratada sem receber nada. Os homens maus, preferem as mais novinhas, e na minha casa tem muita menina e menino novinhas/os.
Aos 30 dias de nascida, peguei uma infecção pulmonar, devido ao ambiente insalubre e a falta de higiene na minha casa. Minha mãe como sempre com um leite com um gosto horrível, azedo, vencido. Várias vezes ela usou crack na minha frente e do meu irmão. Várias vezes a gente viu ela sendo maltratada pelos homens maus. Esperei meu pai ir me visitar. Pedi muito que alguém que representasse o Estado fosse salvar a minha vida e de minha família. Comecei a chorar mais alto,pedindo socorro, os vizinhos ficavam incomodados com a minha situação. Eles até denunciaram, fiquei sabendo depois. Mas não apareceu ninguém para me salvar.
Fiquei cheia de secreção, chorei mais ainda e não dormia porque não conseguia respirar. Minha mãe começou a colocar líquidos alcoólicos para que fosse possível eu beber e dormir. Comecei a dormir mesmo sem conseguir respirar e querendo lutar pela a nossa vida.
No réveillon, enquanto as pessoas comemoravam o Ano Novo, entendi que a minha passagem pela terra já tinha terminado. As coisas pioraram muito, minha mãe era uma mulher muito doente. Infelizmente não poderei dizer meu nome a vocês, pois não tive tempo de saber em vida. 
Morri sem registro de cidadania. Morri sem que ninguém ajudasse a mim e a minha mãezinha. Morri sem políticos que defendem criminalizar mulheres como minha mãe, em nome de Deus, sem ao menos visitarem a casa em que morei. Morri com a omissão e a preguiça das pessoas.
Quem me matou não foi minha mãe, quem me matou foi o sistema social deste pais. Perdoo minha mãezinha, mas não vou perdoar a presidenta deste país e nem quem defende a punição de mulheres que vivem como minha mãe,elas estão aí pelas ruas, invisíveis.
Nasci, e daí? Qual foi o direito que tive de continuar vivendo? Não será monitorando uma gravidez que outras crianças certamente vão parar de  nascer como nasci, e morrer como morri. Quando vão ter uma vida digna?
Infelizmente a minha morte aos 2 meses não vai tocar as pessoas deste país, não fui jogada no lixo. Nem ao menos se deram ao trabalho de saber a causa da minha morte.
Meu pai apareceu no meu enterro, ele é evangélico, casado. Fui registrada por ele, para livrar todo mundo da policia. Ele perguntou a minha mãe como era meu nome, ela disse que não tinha ideia. Foi então que ele disse: -Vamos colocar o nome da presidente do Brasil? Minha mãe disse que era muito feio, mas como eu já estava morta mesmo, podia colocar.










Um comentário:

Hesli Fabricio disse...

Poderoso, cruel, real.
A cada mais teu fã.